STATIONCRITIC: David Kwon

  • 01
  • agosto

    2020


Por Vanessa Clark 

Nas últimas semanas, manifestações após a morte do ex-segurança George Floyd tomaram conta das ruas estadunidenses, dos noticiários e das redes sociais. O movimento "Black Live Matters" - que luta contra a opressão dos negros nos EUA - imediatamente voltou a tona e tomou conta da internet. Paralelamente, David também faz críticas contra as condições econômicas, sociais e políticas que oprimem as minorias neste mesmo cenário mundial que causou a morte de George Floyd. "Caos e Glória", seu novo disco, faz reflexões estruturais sobre a sociedade, enquanto ele tenta se descobrir como um ser existente dentro deste cosmos.

David, de fato, cativa com letras poderosas. "Se Todos Somos Iguais", faixa de abertura, é repleta de nuances acerca das desigualdades sociais. "Se todos nomos iguais / Por que meu amigo preto não pode entrar no bar?", ele canta em um dos versos visceral. Ao longo das demais faixas, ele continua construindo reflexões sobre a vida e a sociedade. O artista opta por não seguir críticas subjetivas e torna tudo muito explícito para o ouvinte. "A pobreza que assombra a todos nunca estará escrita nos livros de História", ele canta na poderosa "Cidadão". 

O tom politizado que percorre por todo o álbum, às vezes, se torna também um pouco mecânico e até massante. Em "Gramsci", uma faixa de 8 minutos, ele faz uma rápida referência a famosas revoluções da história no meio de suas inúmeras reflexões e dualidades. "Como você acreditaria na história da França? / Como você olharia as histórias da Rússia? / Você nem saberia da história de Cuba", ele canta. Em "Patriota", ele faz uma referência a um "certo poeta grego" para afirmar que patriotismo não possui nenhuma honra. Nesses momentos, a mensagem acaba ficando muito mecânica e transparece uma sensação de "aula de História".

Em "Ídolo", parceria com The Other Woman, ele faz uma análise à ascensão do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro. "Como você pode acreditar que algum ídolo vai salvar a nossa nação?", ele questiona em uma clara referência as eleições de 2018, onde Bolsonaro foi eleito como uma espécie de ídolo por parte da população. Em "Santo Cristo", no entanto, ele opta por fazer críticas ao fanatismo religioso e como a Igreja Católica construiu uma imagem imaculada de um ser superior. Ele também faz reflexões sobre a vida, como em "Vagabundo, Sujo e Imoral" e em "Quem É Você?".

O maior problema em todo disco fica na mixagem. Ou seja, os produtores tiveram dificuldades em harmonizar e combinar os diferentes canais que compõe uma canção - neste caso, o canal da acapella e o da instrumental. A maioria das músicas - com exceção da abertura - tem problemas muito sérios com isso e, em diversos momentos, os vocais estão bem mais altos do que a instrumental. 


Um ponto positivo no álbum é, sem sombra de dúvidas, a sonoridade. David escolhe minuciosamente a sonoridade para cada faixa. Na primeira metade do disco, ele opta por canções que mesclam o Blues, o Jazz e o Hip-Hop. Em "Vagabundo, Sujo e Imoral", ele brilha ao colocar uma faixa com influência do samba e da Bossa Nova dos anos 50. Entre "Santo Cristo" e "Gramsci", o álbum ganha um toque mais eletrônico quando a sonoridade se torna um pouco mais frenética. Um momento atípico é em "Baal", que apresenta uma deliciosa influência oriental.

Ainda sobre "Baal", é interessante como ele se sobressai com uma composição repleta de meditações e observações. É encantador como ele faz uma crítica sobre uma sociedade que anda em círculos e que nunca consegue, de fato, evoluir. Algo semelhante com o que Belchior fez ao escrever "Minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo que fizemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos / Como os nossos pais" em uma das músicas mais marcantes do Brasil. Em "Utopias", faixa de encerramento, ele utiliza uma observação feita pelo escritor Eduardo Galeano. No trecho, o uruguaio fala sobre a dificuldade de alcançar o estado de uma sociedade ideal. A utilização desta fala faz uma ponte perfeita para "Caos e Glória", pois afirma que é impossível alcançar um mundo isento das críticas que ele faz durante o disco. Entretanto, Galeano afirma que, apesar de impossível, é fulcral que continuamos caminhando em busca desse estado ideal, desse estado sem preconceitos e opressão.

Diante disso, finalizo a resenha com as palavras do próprio Galeano:

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”