STATIONCRITIC: Xexenia conta as ''Desventuras de Uma Travesti'' marginalizada em busca do seu lugar no mundo em que vive.

  • 28
  • setembro

    2017

Que a Xexenia é um grande nome da música virtual todo mundo já sabe. Cada lançamento gera uma espera que é muito bem correspondida com materiais bem feitos e videoclipes icônicos que marcam a carreira da cantora, principalmente por ela ser do IMVU - uma plataforma tão limitada em vários quesitos.

Seu último lançamento, "Xexelenta", foi aclamado pelo público e crítica e ainda faturou o Grammy de "Álbum IMpop do Ano" (depois de muito sofrimento). E, depois disso, a hitmaker de "Tu Me Fez de Rihanna" decidiu continuar apostando no funk carioca para lançar seu quarto álbum de estúdio, mas, dessa vez, ele faz muito sentido do que no álbum anterior. 

Xexenia é uma mulher trans, vinda da favela, único lugar onde as travestis marginalizadas conseguem viver sem passar tanta necessidade, com prostituição. E no seu novo álbum, "Desventuras de Uma Travesti", Xexenia conta sua história enquanto ainda era Dinei, antes de fazer a transição de gênero. História essa que poderia ser contada por milhares de travestis que precisam viver de prostituição para conseguir se sustentar neste país. 

01. Esquina do Prazer
O álbum é aberto pela maravilhosa "Esquina do Prazer", um início que não é tão grandioso como "Xexelenta" foi para o álbum de mesmo nome, mas que chega bem perto disso. Nesta faixa, Xexenia fala sobre os homens héteros e casados que, apesar de repudiarem toda a comunidade a LGBTQ+ publicamente, recorrem as travestis para satisfazerem seus prazeres ocultos. A composição é excelente e a produção segue muito bem a linha da instrumental, que se faz presente a todo momento. "Na esquina do prazer, você alimenta seus preconceitos. O mesmo que me nega de dia, à noite coloca dinheiro entre meus peitos".

02. Sinergia
Prosseguindo, temos "Sinergia" com uma pegada mais pop do que a faixa anterior. Aqui, Xexenia fala sobre um homem velho que pagava regularmente para a ter por perto, e ela acabou se encantando por ele, mas ele não gostava do fato dela ser prostituta e a queria apenas para ele, por isso, um belo dia o velho desapareceu sem dar nenhuma notícia, a deixando decepcionada. É uma ótima faixa, com composição  e produção espertas e uma instrumental bem animada, seria uma ótima aposta para single - visando o lado comercial.

03. Domesticada
Essa faixa havia sido, inicialmente, lançada como carro-chefe do material, mas após a capa receber algumas denúncias e o áudio ser removido do YouTube, a cantora colocou "Pecaminosa" no lugar. Nesta faixa, Xexenia fala sobre um cliente que queria a "domesticar", mas ela não está a fim de se tornar submissa a um homem e faz questão de deixar isso bem claro. É uma letra muito forte e importante, mas ainda assim consegue se tornar um hino do caralho graças à instrumental e à produção. "Deixe a sua pica guardada na cueca, se você encostar em mim, faço feijoada de neca".

04. Delatada
É aqui que a vida de Dinei começa a virar de cabeça para baixo. Além das prostituições, ela também começa a vender drogas para os clientes, porém, os traficantes do morro não gostam nada disso e "delatam" todo o seu esquema para o chefe do tráfico, que pede a cabeça de Dinei, fazendo com que ele tenha que fugir do morro urgentemente. É uma ótima faixa, assim como o restante do material, mas não se destaca tanto comparada às outras e acaba sendo deixada um pouco de lado, apesar de ser importantíssima para a história do disco.

05. Tudo Por Um Crack
A interlude "Tudo Por Um Crack" é o ponto de virada na história de Dinei, onde a mesma começa a se viciar na própria droga que estava vendendo, para tentar fugir dos seus problemas reais por um tempo Assim como "Delatada", é uma faixa importante para a storyline do álbum, mas não é um ponto forte do mesmo - e nem precisa ser, justamente por ser uma interlude.

06. Pecaminosa
Essa todos já conhecem. "Pecaminosa" foi a forma que Xexenia encontrou para fazer uma crítica aos padres que se corrompem para transar com travestis e até mesmo pode ser interpretada como um repúdio àqueles que abusam de crianças e, na maioria dos casos, meninos. É uma ótima faixa, tem uma letra esperta e até divertida em alguns momentos ("Lúcifer vai te abençoar"), não é um dos grandes momentos do álbum, mas está muito bem colocada e cumprindo seu papel.

07. O Homem (Que Me Amava)
Numa versão melhorada e adaptada da faixa "O Homem (Que Eu Amava)" da Gozzane, Xexenia conta o outro lado da mesma história que a ruiva contou no seu EP "80's". Dessa vez, Xexenia fala sobre um homem que a amava, há alguns anos, e pagava para tê-la por perto, curiosamente, é o mesmo homem que Gozzane amava, mas que não foi correspondida e nem desejada por ele. Na storyline do álbum, Xexenia descobre, anos depois, que esse tal homem é o velho da faixa "Sinergia", e fica chocada ao descobrir que foi abandonada por ele duas vezes. Obrigado Xexenia por ter transformado essa música no hino que a Kelly e a Gozzane não conseguiram.

08. Efeito Placebo (ft. Lexie Stone)
Agora que descobriu que foi enganada pelo velho por anos, Xexenia liberou toda a sua raiva e indignação nessa música, dizendo que o amou bastante e se sentiu muito traída quando descobriu que ele era o homem que a amava anos atrás e promete vingança contra ele. A faixa é maravilhosa e tem um uma virada surpreendente na metade do caminho, a participação de Lexie Stone fez muito bem à música justamente para intensificar a virada que a instrumental dá. Com certeza um dos pontos mais altos do álbum. "A ardência que batia no meu peito murchou como uma flor mal regada, e o meu coração caloroso está mais frio que o pior do invernos [...]".

09. Quem Diz O Que? Por Que? Pra Quem?
Outro grande destaque do álbum é "Quem Diz O Que? Por Que? Pra Quem?", com uma composição esperta, uma instrumental rápida e produção eficaz que transforam essa música no grande hino que ela se tornou. Nesta faixa, Dinei está sendo alvo de suspeita de ter matado um homem que morava no morro, e esse homem é o mesmo das faixas "Sinergia", "O Homem (Que Me Amava)" e "Efeito Placebo". "A verdade é inventada e acredita quem quiser, a história passa de ouvido a ouvido, mas na hora de admitir ninguém quer".

10. Tela Atemporal
Esta é, sem dúvidas, a melhor faixa de todo o álbum. "Tela Atemporal" é a faixa onde Dinei finalmente se aceita como realmente é e, durante toda a faixa, Xexenia fala sobre um "ele", que muitos podem achar que é o velho que ela amou por bastante tempo, mas, na verdade, esse "Ele" é Deus. Dinei entrega todo o seu amor à Deus e confia nele, acreditando que ele irá ajudá-la a mudar a sua situação de vida. A composição de "Tela" é a mais linda do material e a instrumental é uma ótima mescla da música pop com uns elementos escondidos do funk. "O meu corpo é um quadro, uma tela atemporal, iminente ao que eu seja, só preciso de você. O meu corpo foi dilacerado, livre é o que quero ser". Um encerramento perfeito.

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Xexenia amadureceu, mas ainda é a mesma, porém, decidiu largar um pouco a persona debochada para fazer um apelo muito importante dentro e fora da música virtual. "Desventuras de Uma Travesti" é um álbum que deveria ser transmitido para fora das correntes da RSV, pois conta uma história importante, atual e que muitas travestis mundo afora se identificariam e abraçariam a cantora na sua luta. 

O mais interessante do material, é que Xexenia conseguiu falar sobre um tema muito pesado sem deixar o seu lado humorístico para escanteio, mas conseguiu fazê-lo de uma forma consciente e que é capaz até de nos fazer pensar sobre diversos pontos que, muitas vezes, ignoramos. Além do fato dela ter evoluído gritantemente no quesito composição, conseguindo trazer letras lindas, impactantes e frases de efeito bem mais marcantes do que qualquer outra que já tenha cantado durante sua longa carreira. 

Xexenia está amadurecendo, assim como todos nós, e não vai ficar no mundo virtual para sempre, então é melhor que ela saiba, enquanto ainda está conosco, que nós temos muito orgulho da artista fenomenal que ela se tornou e que o seu legado está marcado para sempre na história da música virtual, e nenhum prêmio perdido dirá o contrário.